terça-feira, 16 de junho de 2009

só quinze pétalas

Por Rita BonetOs Meus Livros

Prós: O remoinho de poesia; os objectos que saltam da arca do esquecimento; um lenço de namorados bordado em linho pela mão de um homem.
Contras: São só quinze contos, só quinze pétalas.
O livro de Maria Antonieta Preto cheira a funcho, sabe a terra argilosa, a cal cola-se-nos aos dedos quando passamos as páginas, penas de corvo suspiram ao nosso lado e quase se podem contemplar corpos que se deitam, que se estendem sem pressas, debaixo de uma árvore frondosa. É uma prosa poética que desperta os cinco sentidos, uma poesia que faz luto, pelos mortos e pelos vivos. A sua escrita indisciplinada e as suas personagens fantasmagóricas recordam Raúl Brandão, mas o vento do Sul, a crítica subtil, contraditoriamente doce e crua, revelam uma forma própria de escrever e sentir.“Aniéfora e os Anjos”, “Vai feliz no ar voando” e a “Língua das Rosas” são três pétalas preciosas. Três mulheres. Aniéfora, que mastiga pedras e percorre as ruas de uma vila onde mortos formam um cortejo e tocam música. Solília («Vai feliz…») herda da avô Bordália uma arca tão velha que só resistia ao tempo por estar recheada de amor bordado. No claustro de um convento, Aserá planta sonhos em forma de rosas. Na passagem das “Rosas-Musgo”, Aserá descreve-nos uma língua universal, uma língua de direito e liberdade, com uma beleza despida de atavios, vestida para reclamar a sua pertença: “A minha língua contempla os homens, lambe-os, mastiga-os.” (…) A minha língua gosta de corpos mas não gosta de corpos nus. A minha língua gosta de corpos nus, mas não gosta de corpos que não escolheram andar nus. A minha língua não gosta de cangas nem de ferros.” (pág.85 – As Rosas-Musgo).

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