terça-feira, 16 de junho de 2009

os retratos teatrais de Beckett

Por Jorge ListopadJornal de Letras

8 de Abril – Herbário de vida e morte de Maria Antonieta Preto.
Isto é a literatura de que gosto. Maria Antonieta Preto, no seu segundo livro, A Ressurreição da Água (edição Quidnovi). O primeiro Chovem Cabelos na Fotografia, apresenta-se ainda como contos do Alentejo que simulam (toda a verdadeira arte é de simulação) o seu espaço narrativo. O segundo livro arrisca uma descida não ao Alentejo profundo mas também, porém na própria profundeza da língua, como se esta pudesse e devesse libertar um mítico antigamente, filtrado pelos serenos sinais de todos os tempos e de todos os Alentejos. Esse processo , naturalmente, não tem configuração prevista: o rigor da jovem escritora vai de par com a paixão espontânea pela poesia, diria a alegria de ver, observar, recriar, inventar.Gosto desta literatura: em direcção à clareza não fácil, logo iniciática, as narrativas e fragmentos bem achados, as narrativas que não o são de facto nem de iure, o que vai dificultar a leitura de uns tantos mas talvez não dos outros, digamos, mais «lentos». Os cheiros emanam das falas, as perguntas escondem-se. As profecias e rezas caseiras, a morte por vezes perto, procuram as múltiplas personagens, o caleidoscópio; mas todas elas têm nomes inventados, não possuem identidade prevista, não podem mostrar a fotografia de rosto inteiro, só detalhes. Lembram, curiosamente, os retratos teatrais de Beckett e outros retratos pintados de Archimboldo. Complico a mensagem. É a vida.

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